Luanda – O futuro a Deus (mesmo) pertence. O ano preste a findar está ser marcante e sombrio para com a minha pessoa. Obviamente, ganhei em alguns episódios. Isso até no último dia do mês de Maio. De 1 de Junho até a presente data, as coisas tomaram outros rumos. As (pesadas) percas começaram e o (meu) mundo ficou mais pequeno e triste.
Fonte: Club-k.net
A minha vida profissional? Vai bem, obrigado. Mas a pessoal nem por isso. Pois, contínuo saudável, sem lenga-lengas, seguindo, a risca, as recomendações das autoridades sanitárias por causa da maldita pandemia. A família cresceu, consideravelmente, até aqui. Mas a vida não se resume somente a isto. Perdi cinco pessoas (Dávia Barbosa, Pedro Bernardo Kiafuka, Chica, Brigite e Mano Vi) próximas.
Ontem (domingo) recebi um telefonema das bandas do Oceano Pacífico. “Meu, Vidigal morreu”, fim de citação. Informou-me a pessoa noutro lado. Obviamente, fiquei arrepiado. Mas, calmamente, respondi ao interlocutor que iria tirar essa história a limpa.
Pois, um dia antes (sábado) partilhei, via facebook, um comunicado do governador Júlio Bessa que anunciava o seu internamento, depois do teste de covid-19 acusar positivo. Prontamente, procurei entrar em contacto com ele. Não foi possível, mas enviei uma mensagem de solidariedade, encorajando-lo: “Estou (sempre) consigo. Cumpra somente as recomendações médicas. Boa recuperação. Abraço.”
Prontamente ligue para o Mike Ferra (o jornalista Armando Ferramenta), um dos seu assessor. O telefone tocou mas não atendeu. Achei super estranho, pois ele não é de abandonar o telefone. Fiquei angustiado e preocupado ao mesmo tempo. Minutos depois ele [o Mike] retorna a chamada. Que alívio! Exclamei.
Com a sua voz trêmula e tônica Mike Ferra, abalado talvez depois de uma sessão de choros e lamentos, passou a relatar os factos, confirmando que havíamos perdido o “gentleman” Júlio Vidigal. O meu bom amigo partiu para a eternidade vítima de covid-19. Ele não resistiu, pois descobriu-se tarde – depois de ter feito o primeiro teste, uma semana antes, que acusou simplesmente paludismo ao invés de covid-19 – que ele estava infectado há vários dias.
A minha estória com o “Mano”, como sempre lhe tratei, remonta do ano 2014, no Huambo, por intermédio de Mike Ferra. Eram verdadeiros amigos/irmãos. Combateram juntos nas FALA, então braço armado da UNITA. Partilharam momentos bons e maus. Depois do fim da guerra civil em 2002, com a morte em combate de Jonas Savimbi, se perderam nas matas devido o contexto político-militar que se registou na altura. Anos mais tarde se reencontraram e nunca mais se separaram, até ontem, dia 20 de Dezembro de 2020.
Em 2015, recebi – por intermédio de Mike Ferra – o convite do Mano [Júlio Vidigal] para conhecer a província do Kuando Kubango. Sem lenga-lengas, aceitei de imediato o convite. Semanas depois criou-se as condições logísticas e fui ter com o Mike no Huambo e, no mesmo dia, avançamos, via terrestre, até ao Menongue, capital da província. Aqui fico. De resto só a mim interessa.
Júlio Vidigal era – das poucas pessoas boas que conheço – excepcional. Um ser humano com todas as qualidades e poucos defeitos (aceitáveis). Ele era bondoso; Unificador; Reconciliador; Humanista, incontestavelmente, de primeira linha. Não olhava pelas cores partidárias, mas sim pelo homem.
Pois, colheu a maior parte dos deficientes de guerra fratricida, com as respectivas famílias, abandonados a sua sorte em todos cantos do Kuando Kubango, nas terras da sua família, em Menongue, e alimentava-los com o seu próprio dinheiro. Cuidava-os quase sem ajuda do governo central. Transformava os deficientes inúteis, sem direitos, em cidadãos consumidores activos com plenos direitos.
Era um excelente político (sozinho travava todos os partidos na oposição local e nunca teve ambição de ser chegar mais além). Era um excelente líder. Pois, os munícipes de Rivungo e de Menongue que te contam dos seus efeitos, como administrador.
Andei lés-a-lés com ele nas aldeias e comunas que compõem o município de Menongue. O povo (dele) lhe recebia com pompas e circunstancias porque era sempre o portador de boas novas. Curiosamente, estava preste a ser nomeado ao cargo mais alto pelo Presidente da República.
Mano “Vi”, como eu e o Mike o chamávamos em privado, era o meu bom amigo. Somente lamento o facto de ele ter vivido apenas 55 anos, deixando os seus filhos maiores e menores de idades. Os seus irmãos e irmãs, os seus sobrinhos e afilhados.
Para mim, Júlio Vidigal, neste momento, está a desfrutar da companhia do seu saudoso progenitor (que foi assassinado, barbaramente, a sua frente e dos irmãos pelas FALA da UNITA) e do seu primogênito (que faleceu há escassos anos, após um aparatoso acidente de viação), mas chorando pelo seu povo que, possivelmente, será abandonado, de novo, à sua sorte.
Na verdade, depois de muitas desilusões que a vida lhe pregou, passou mais tempo a viver com e pela população do Kuando Kubango do que pela sua própria família. E, provavelmente, lamentou por ter chegado, mais cedo, a sua hora de partida para o além.
Assim era o meu bom amigo “Mano Vi”, o homem do povo, que vivia na pele o sofrimento e sacrifício da população local. Neste momento amarga, Menongue chora o seu filho, Kuando Kubango chora o seu líder, Angola chora o seu bom cidadão e eu choro por ele.
De resto é conversa.
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