Luanda - No dia 15 de Maio do ano em curso o ilustre Deputado General Francisco Higino Lopes Carneiro publicou um «texto memorável» alusivo ao dia 15 de Maio de 1991 em que as Chefias Militares das FAPLA e das FALA tiveram um Encontro nos arredores da Cidade do Luena, na nascente do riacho Kauango, afluente do rio Luena, que desemboca no rio Zambeze, na Zâmbia. As duas Equipas Negociais (sob a Mediação sábia do Jornalista William Tonet) foram dirigidas por General Higino Carneiro, por parte das FAPLA, e por General Arlindo Chenda Pena “Ben-Ben,” pelo lado das FALA. Na verdade, esse Encontro das Altas Patentes Miliares serviu de antecâmara que permitiu a cessação das hostilidades militares e a Celebração dos Acordos de Bicesse, em Portugal, no dia 31 Maio de 1991.
Fonte: Club-k.net
No texto do General Higino Carneiro escreve o seguinte, cita: “Recordo com saudade o estreitar de mãos entre militares desavindos que apesar do ulterior desfecho da guerra permitiu que nos conhecêssemos e respeitássemos com Angola em paz as diferenças de cada um.” Fim de citação. Lendo bem este trecho do texto do Higino Carneiro inspira nele o espirito forte de patriotismo, de irmandade, de abertura, de respeito mútuo, de tolerância, de concórdia, de paz e de reconciliação nacional, não esquecendo os nossos heróis e os mártires, de todas as trincheiras, que sacrificaram as suas vidas para a paz, a reconciliação nacional e a democracia. Eu fiquei emocionado quando reparei esta frase: “Recordo com saudade o estreitar de mãos entre militares desavindos.”
Para um soldado, como eu, sabe o que isso significa, em pleno teatro de guerra estreitar as mãos e abraçar-se como irmãos da mesma família e da mesma pátria, desavindos pela guerra fratricida. Eu recordo-me, tal bem, da dureza dos 45 dias dos combates renhidos da Batalha do Luena, porque participei fisicamente nesta Batalha, e assisti a morte trágica do General José Nogueira Kanjundo, por um engenho explosivo teleguiado, na margem do rio Luena, na aldeia Chizuli, a Sul de Chikala. Este acontecimento infausto aconteceu nos dias seguintes após o Encontro histórico de Kauango. Nesta altura, com a sua equipa, General José Nogueira Kanjundo estava de regresso para o seu Posto de Comando, no Flanco Sul da cidade, na margem direita do rio Luena, quando a sua viatura operacional explodiu em pedaços, ter vitimado todos os ocupantes.
Para dizer que, a paz que temos, alcançada com muitos sacrifícios e com muito sangue derramado, deve ser bem acarinhada e conservada por todos nós, não obstante de quem trincheira havíamos pertencidos. Pois, há muita gente que não sentiram na carne o fardo da guerra e o seu impacto demolidor sobre a vida das pessoas; e deste modo, têm muita ilusão, assumindo atitudes e discursos irresponsáveis, altamente prejudiciais aos esforços de consolidar a paz e a reconciliação nacional; curar as feridas e sarrar as cicatrizes que ainda são visíveis nos rostos de muitas famílias que ficaram desfeitas e desestruturadas.
Por várias vezes, a nível da Assembleia Nacional, têm-se deparados com discursos mal-intencionados, que dá a impressão de que, há agente que não tem a mínima noção da delicadeza de construir a paz duradoira e a reconciliação nacional, sobretudo num país que tenha emergido da guerra civil atroz e prolongada. Na verdade, é mais fácil ganhar a guerra, mas é dificílimo contruir a paz duradoira, porque esta última, requer a «modéstia» e o «respeito mútuo», reconhecendo as «virtudes» de outras partes, a fim de conjugar as «sinergias», dando uma nova dinâmica capaz de proporcionar a estabilidade, o progresso e o bem-estar da população. Me parece oportuno invocar a doutrina chinesa, de «taoismo», que se baseia na existência dos opostos e na necessidade dos equilíbrios entre os opostos, para que haja a harmonia entre as coisas e os seres.
Convinha notar que, ganhar a guerra não é o sinonimo da razão, da superinteligência, da justeza ou da grandeza absoluta, porque a guerra envolve diversos factores endógenos e exógenos – opostos – de naturezas diversas, que dependem da conjuntura, das circunstâncias e dos interesses globais e específicos. Na guerra, como de Angola, da dimensão internacional, na qual entram em jogo os interesses estratégicos das potências mundiais, é difícil medir os equilíbrios e avaliar com exactidão o potencial humano das forças beligerantes no terreno. A Vitória, em sim, analisada isoladamente, pode induzir-se em erros de cálculos, e ficar com uma percepçao menos realista.
A título de exemplo, quando terminou a Guerra Mundial II, em 1945, que ditou a derrota decisiva da Alemanha-Nazi, a Grã-Bretanha, que foi o Pivô da Europa, adoptou a «política obstrucionista», de impedir Alemanha não transformar-se novamente em uma Potência Europeia, com poder de mando. Contudo, passando 75 anos, de 1945 até 2020, Alemanha emergiu como país mais forte e mais influente da Europa, ocupando o quarto lugar no ranking da economia mundial, com o PIB de USD-4,10 triliões, em 2020. Tendo-se ficado atrás dos EUA, da China e do Japão, respectivamente.
Recordemos que, na Guerra Mundial II, Japão foi vítima de bombardeamentos nucleares sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, levados a cabo pelos Estados Unidos da América nos dias 6 e 9 de Agosto de 1945, causando a morte de cerca de 228,000 pessoas. Apesar disso, o Japão não somente tornou-se o Aliado mais próximo e mais estratégico dos Estados Unidos da América, na Ásia, mas ocupa o terceiro lugar no ranking da economia mundial, com um potencial tecnológico fora de série. A China, que era um país agrário, que libertou-se da ocupação estrangeira em 1949, em poucas décadas suplantou a Rússia, agora ocupa o segundo lugar no ranking da economia mundial, e já aterrou na Lua e no Planeta Marte, em competição espacial renhida com os Estados Unidos da América. Ao passo que, a Rússia, que vergou a espinha dorsal da Alemanha-Nazi em 1945, hoje está no décimo lugar do ranking da economia mundial, com o PIB de USD-2,08 triliões, em 2020.
Todos sabemos que, o Estado do Israel foi o resultado do «holocausto» perpetrado pela Alemanha-Nazi, do Adolfo Hitler, durante a Guerra Mundial II (1939-1945), que ficou condenado por todas Nações do Mundo. Porém, os Judeus não aprenderam com a sua própria História, assumindo a mesma doutrina de «genocídio» contra os seus irmãos palestinos. Logicamente, como é de esperar, a Humanidade não pactua com o mal, opondo-se energicamente ao expansionismo sionista, em prol da Palestina. Com tempo a Palestina tem-se tornando robusta com resiliência de resistir às investidas bélicas do Israel, que se registam todos os dias em Jerusalém.
Com isso queira dizer que, fracassada a estratégia obstrucionista britânica, o Reino Unido sentiu-se pressionado pela influência enorme e crescente da Alemanha dentro da União Europeia, em cooperação estreita com a França. Como consequência, o Reino Unido precipitou-se com o «Brexit», isolando-se do Continente Europeu. Contrariamente ao obstrucionismo britânico, que resultou em desgaste, a França assumia integralmente a política de “rapprochement” e de “détente,” criando um «eixo amplo» de cooperação bilateral entre Paris e Berlim, dinamizando a política comunitária da Europa. Parece um paradoxo, mas a verdade é que, na Guerra Mundial II a França foi tomada de assalto pela Alemanha-Nazi, e Charles de Gaulle foi forçado a refugiar-se na Grã-Bretanha. No final da guerra mundial, em 1945, os dois países beligerantes entenderam-se e uniram-se, e agora tomaram conta do destino da Europa Continental.
Portanto, se houver o realismo e o patriotismo podemos aprender muitas coisas válidas com a História da Humanidade e darmos saltos quantitativos e qualitativos na construção de um País avançado, moderno, estável, forte, estruturado, organizado, prospero, democrático e de direito. Neste âmbito, é preciso ler bem, dentre linhas, o texto do General Higino Carneiro, para descobrir o cerne da questão e a mensagem que está nele contido. Um estadista e militar experiente que esteve mais próximo do JES e participou fisicamente em todos os processos complexos e delicados da busca da paz e da reconciliação nacional.
Enfim, se temos a paz militar neste momento, é porque, de certa forma, houve a vontade política das partes, sobretudo da gestão cautelosa (político-militar) por parte do Presidente José Eduardo dos Santos, que no pós-guerra civil, em 2002, ele soube cultivar o espirito fraternal nas Forças Armadas Angolanas, respeitando uns aos outros, numa hierarquia integrada, de cima para baixo, sem discriminação institucional. É um legado de apreço, de um estadista angolano, por mais passivos que tenham sido registados no seu consulado longevo, mas nem por isso que se deve apagar tudo, apenas para satisfazer os interesses mesquinhos de um círculo de pessoas, cujas agendas são implícitas e duvidosas. Cuidemos bem a paz e a reconciliação nacional, trabalhando juntos e respeitando uns aos outros.
Luanda, 21 de Maio de 2021.
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