Luanda - Sem saber rigorosamente de nada em relação aos planos do PR, nos últimos dias troquei no watsapp, com alguém que muito prezo, uma mensagem onde manifestava alguma esperança de João Lourenço ainda vir a “quebrar o galho” no âmbito da programação que já tinha sido anunciada pelo Executivo para assinalar de forma substancialmente diferente e pela primeira vez no pós-independência, este 27 de Maio de 2021 e com a qual não podia estar mais em desacordo.
Fonte: Club-k.net
A minha avaliação menos positiva do referido programa ficou a dever-se a alguns dos seus “pormenores” mais complicados para a minha sensibilidade política e histórica, enquanto conhecedor/testemunha dos factos que nos levaram há 44 anos àquela tragédia, entre causas e consequências.
São de facto pormenores que chegam a ser chocantes, sobretudo pelo envolvimento de pessoas, que na altura dos factos eram crianças de tenra idade e que, portanto, hoje não podem ser tidas nem achadas em nada que diga respeito ao tormentoso passado.
Escrevi na mencionada mensagem o seguinte: “Acredito que JLo ainda vai a tempo até ao dia 27 de `resolver` este trágico imbróglio.
É chegada a altura do Estado angolano pedir desculpas formais pela repressão que se seguiu aos acontecimentos do histórico dia.
Este pedido não tem nada a ver com as causas do conflito interno e muito menos com as razões que assistiam cada uma das facções do M que se confrontaram.
É um pedido que está relacionado com os milhares de vidas jovens que foram ceifadas em todo o país, sem apelo, nem agravo, nem julgamento.
É isto que para mim está em causa.
JLo sabe bem o que se passou e como se passou.
A sua esposa sofreu na carne e na sua dignidade de mulher toda aquela violência sem limites que durante mais de um ano transformou Angola numa poça de sangue e tortura.
O perdão que eu exijo é para estas vítimas.”
Sei que o apuramento da verdade histórica, particularmente no que toca às causas do 27 de Maio, será um processo ainda mais complexo, se é que algum dia será possível o consenso, mas já não tenho muitas dúvidas em concluir que foi a pior “lição” que o MPLA deu ao país e a África/Mundo sobre como um partido deve resolver os seus problemas internos por mais insanáveis que possam parecer.
Para mim a maior dificuldade deste processo é objectiva e reside no facto da totalidade dos dirigentes do MPLA acusados de fraccionismo terem sido fuzilados, enquanto do lado dos “vencedores” a situação está a caminhar para o mesmo lado por outras razões menos violentas, com a morte por doença ou velhice dos seus protagonistas.
Sinceramente, não estou a ver como seria possível montar uma Comissão da Verdade num cemitério, pois embora os zombies possam existir, só mesmo no cinema é que vamos tendo algum contacto visual com eles.
Até ver.
Depois de ouvir a sua mensagem desta quarta-feira, dia 26 de Maio de 2021, há milhares de quilómetros de distância, a expressão “quebrar o galho” é efectivamente aquela que mais se adequa ao conteúdo das suas palavras, mesmo não estando de acordo com o seu enquadramento histórico do processo que mergulhou o país numa noite tenebrosa tão prolongada, cujos efeitos mais perversos se sentem até aos nossos dias.
Sou daqueles que entende que JLo, enquanto Chefe de Estado/Presidente de todos os angolanos, não fez nenhum favor ao país ao decidir finalmente dar tratamento institucional ao “dossier 27 de Maio”, mesmo da forma estratégica como inicialmente o fez, tentado diluir a especificidade do seu impacto no mar geral de escolhos por onde tem sido feita a navegação deste país em matéria de conflitos políticos para todos os “desgostos e feitios”.
Mas também, sou das pessoas que lhe reconhece uma grande coragem política, pois adivinho que sendo o processo em causa exclusivamente da responsabilidade política do partido que ele agora dirige, há pouco mais de três anos, não lhe terá sido muito fácil avançar nessa frente de pontiagudos espinhos, depois do seu antecessor, que esteve directamente ligado aos factos, ter apostado na estratégia do silêncio, do esquecimento e do cansaço durante os 38 anos do seu consulado.
Concordando-se ou não com a forma como o fez, o que é facto é que o primeiro grande galho foi quebrado por JLo, depois da CIVICOP ter sido criada e de termos vindo a observar o seu desempenho a conhecer caminhos menos transparentes ou mais equivocados no tratamento que estava a dar ao tema específico do 27 de Maio.
Muita água ainda vai correr debaixo desta ponte, pois a Angola de hoje com as redes sociais a “pipocarem” todos os dias, já não tem nada a ver com o passado, seja o mais remoto, seja o mais recente.
Mas é mesmo debaixo deste “fogo cruzado” que o país vai ter de continuar a fazer o seu caminho em direcção ao futuro.
Quem nos governa vai ter de entender em definitivo que o passado do pensamento único já é para ser recordado apenas como facto histórico.
Mas todos nós, que somos governados, também temos de perceber que quem governa está obrigado a tomar decisões e a implementá-las durante o mandato que lhe foi conferido nas urnas.
O resto é para ir acertando de cinco em cinco anos durante as eleições.
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