Luanda - O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) afirma que foi simplesmente constituído fiel depositário e que nunca teve sob sua tutela as turbinas e outros meios apreendidos por ordem do Tribunal Provincial de Luanda. Em causa estão as turbinas, meios de auxílio e consumíveis que deveriam estar sob o seu controlo e não estão.
Fonte: Club-k.net
O presidente do Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado, Patrício Vilar, disse em inclusivo a esta reportagem que “o IGAPE trata de activos e não de meios. Este é um assunto que nunca esteve sob controlo físico do IGAPE, mas, sim, sob sua guarda”, limitando-se afirmar que só estava a disponível para prestar mais esclarecimentos sobre o assunto ao tribunal, uma vez que era um “mero fiel depositário”.
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, numa entrevista ao Jornal de Economia identificou de forma genérica no que consistem as obrigações do depositário: “Os requerentes com frequência indicam ou propõem quem deve ser o fiel depositário dos bens arrestados.” “O arresto consiste numa apreensão judicial de bens e a entrega deles a um fiel depositário, que os vai guardando e administrando por ordem do tribunal, com a obrigação de prestar contas da sua administração.”(...) os bens arrestados não são transmitidos, imediatamente, para o credor, mas vendidos a terceiros para que aquele se possa satisfazer do produto da venda, de acordo com as regras do Código de Processo Civil em vigor em Angola.” https://ift.tt/3oD6NiG tribunais
Sendo conhecedores de todas estas implicações legais por que motivo o IGAPE foi nomeado? Por que nunca se interessou o IGAPE em assumir as suas obrigações legais decorrentes da decisão judicial? Comunicou ao Tribunal essa situação? Será este o modelo de gestão em todas as suas áreas de actuação? São questões para as quais ainda não obtivemos resposta.
Entretanto, duas das quatro turbinas e partes substanciais dos equipamentos arrestados em Dezembro de 2019, como prova das acusações de que faz jus o Governo angolano sobre alegadas irregularidades verificadas na aquisição dos referidos meios por parte da empresa Aenergy, “desapareceram misteriosamente” da sede da Empresa Pública de Produção de Electricidade (PRODEL), no Camama, perto da Via Expresso Fidel Castro, onde estavam armazenadas, apurou uma investigação levada a cabo por este portal.
As suspeitas do “misterioso desaparecimento” encontram base de sustentação, primeiro, em informações apuradas junto do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), segundo as quais foi possível aferir que os meios, arrestados no decurso de uma providência cautelar intentada pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República, nunca estiveram “fisicamente” sob tutela daquele órgão mas, sim, da PRODEL, na prática sob as ordens do Ministério da Energia e Águas, isto é do Governo de Angola, possivelmente já com este objectivo programado.
Segundo: as imagens áreas, captadas no âmbito da investigação realizada entre Junho e Novembro deste ano, a partir da sede da PRODEL — para onde foram levados os equipamentos, após a execução da providência cautelar —, são reveladoras de uma movimentação de meios ocorrida no intervalo entre os meses em referência e com claro impacto sobre o objecto do arresto. Estes equipamentos estavam acoplados em vários trailers de viaturas pesadas de grandes dimensões e que se deslocam a uma velocidade bastante reduzida. Devido ao seu peso, volume, dimensão e por razões de segurança, incluindo dos próprios equipamentos, a sua movimentação ao longo de mais de 1.000 Kms seria demorada e facilmente visível pelos constrangimentos provocados na circulação rodoviária. Não poderiam por isso ser transportados escondidos na caixa de uma simples pick-up.
Por exemplo, do conjunto de equipamento auxiliar, filtros e exaustores, assim como escadas e plataformas — todos estes equipamentos subtraídos da sede da empresa Aenergy por ocasião do arresto —, é notório a falta de pelo menos, seis escadas e quatro plataformas; de resto, o necessário para a instalação das duas turbinas TM2500 em falta e que foram objecto de arresto por parte do Serviço Nacional de Recuperação de Activos. Seriam no mínimo 3 trailers pesados por cada turbina.
Em falta estão também, nomeadamente, um número significativo de caixas com equipamento auxiliar, dois grupos de filtros e dois exaustores. Entretanto, esta reportagem apurou ainda que a movimentação desses meios terá ocorrido num contexto em que se assiste a uma baixa de produção de energia eléctrica na região sul do país, com a província da Huíla a constituir a maior preocupação.
A barragem da Matala, que alimenta aquela província, encontra-se em obras de reabilitação e ampliação há já largos meses, o que tem contribuído para a baixa produção de energia naquela região. Por outro lado, existe ainda o problema do baixo caudal do rio, que tem levado a que a barragem nunca esteja no máximo da sua força.
Lubango como destino
Há fortes indícios de que o equipamento tenha sido transferido para a cidade do Lubango, província da Huíla, para onde, aliás, recentemente se deslocou uma delegação do Ministério da Energia e Águas, para uma jornada de trabalho em que estiveram presentes os responsáveis das três principais empresas do sector energético, nomeadamente a PRODEL, a Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE) e a Empresa Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT-EP).
A alimentar ainda mais as suspeitas sobre o destino dado ao “equipamento desaparecido” em Luanda está uma publicação, datada do dia 4 de Novembro do corrente, no perfil da rede social Facebook do Ministério da Energia e Águas, na qual é possível ver várias fotografias de equipamentos e, em pelo menos quatro delas, parte dos meios que estavam em Luanda e que deveria estar em situação de arresto e sob custódia do IGAPE.
Por ocasião da execução da providência cautelar, considerada pela Aenergy como “ilegal e infundada”, a empresa alegou não ter sido ouvida, tendo na altura solicitado ao IGAPE que “armazenasse os referidos bens”, para que estes “não fossem utilizados pelo Estado angolano, sem que o tribunal se pronunciasse de forma definitiva”.
A PGR angolana, através do seu porta-voz, prometeu, na quinta-feira, 3, apurar as informações e reagir a questões levantadas por esta reportagem a respeito da matéria em causa, em face das suspeitas ora levantadas. A segunda Secção da Sala Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, por seu turno — de onde saiu a sentença de arresto —, também não se pronunciou sobre o assunto.
Uma fonte da PRODEL, por seu turno, afirmou a esta reportagem não poder confirmar nem desconfirmar o teor das alegações que já foram apresentadas ao tribunal federal de Nova Iorque pela empresa Aenergy, mas que os equipamentos que saíram das instalações da PRODEL, apenas foram transportados após uma ordem do Ministro da Energia. Na PRODEL ninguém iria tomar essa iniciativa por causa das repercussões e prováveis exonerações que se seguiriam.
Numa carta dirigida àquela instância judicial americana, a Aenergy afirma “ter provas de que a PRODEL tomou posse destes bens e que estes estão a ser transferidos para uma central eléctrica no Lubango”.
“As turbinas estão actualmente na posse da PRODEL - e não do IGAPE - e não foram levadas para preservar as provas”, alegaram os advogados da Aenergy ao juiz John Cronan, referindo na carta que a empresa “ouviu rumores” de que os equipamentos estavam a ser transferidos da sede da PRODEL em Luanda para uma central eléctrica no sul de Angola.
Este caso judicial tem sido também acompanhado por revistas americanas da especialidade https://ift.tt/3lRIDzq contract-row-in-us
Porém, os advogados da parte do Governo angolano nos Estados Unidos também já reagiram a estas alegações, tendo considerado que as declarações sobre o assunto da representante legal da empresa Aenergy “não constitui qualquer prova”.
“Como advogada dos queixosos, Clara Tsiba [a representante legal da Aenergy] é uma advogada, não uma testemunha de verdade. Além disso, a sua declaração não oferece qualquer fundamento que estabeleça como ela conhece os factos que atesta”, começaram por afirmar os advogados dos acusados.
Para aqueles advogados, a representante da Aenergy não forneceu qualquer fundamento para estabelecer como sabe que as caixas que viu eram as turbinas apreendidas, em oposição a algumas outras turbinas. “Ela não forneceu números de série identificadores, nenhuma declaração ou documento do PRODEL ou IGAPE, ou outra informação que corresponda às turbinas que afirma ter visto com as turbinas apreendidas”, atestaram.
Será que a PRODEL ou o Governo de Angola conseguem apresentar documentos comprovativos da origem e propriedade dos equipamentos que foram transportados para o Lubango? Quem procedeu à venda dos mesmos e os importou para Angola?
De acordo com esta versão dos factos coloca-se a questão de saber de onde vieram estas turbinas, visto que não é conhecida a abertura de concursos públicos para compra pelo Governo de Angola de mais turbinas, nos últimos dois anos, onde estiveram armazenadas e por que motivo a sua existência era desconhecida. A todas estas questões as nossas fontes na PRODEL não quiseram responder.
Referindo, contudo, uma situação ainda mais grave e reveladora de um pacto ou no mínimo de uma aparente cumplicidade entre a GE e o Ministério da Energia e Águas dado que na sequência do envio de propostas de prestação de serviços antes de Agosto de 2019 por parte da GE ao Governo de Angola foram estabelecidos acordos, memorandos de entendimento e contratos entre estas entidades para a realização de serviços que estavam contratualizados à Aenergy.
As nossas fontes referiram também a existência de um acordo de confidencialidade entre estas duas entidades (GE e Ministério da Energia e Águas) com o objectivo de em conjunto prepararem e articularem as respectivas defesas no processo que está a correr no Tribunal de Nova Iorque, Estados Unidos da América de modo a não serem surpreendidas com os factos apresentados pela Aenergy, tentando assim aligeirar ou branquear as suas aparentes responsabilidades no caso. Este acordo de confidencialidade impede ou pelo menos condiciona em grande parte a possibilidade de o Governo de Angola e a PGR poderem investigar a prática de eventuais actos ilegais praticados pela GE em todas estas situações. Protegendo e beneficiando de forma ilegal uma empresa estrangeira.
Numa altura em que Angola tem sido notícia a nível nacional e internacional, sendo questionada a utilização de força excessiva por parte da polícia aquando da realização das últimas manifestações populares, sendo as investigações alegadamente conduzidas de modo a desresponsabilizar a actuação dos policiais, eis que Angola volta a ser notícia por mais uma ocorrência protagonizada por entidades públicas que actuam na esfera e sob orientações do Governo (PRODEL e IGAPE) que desrespeitam decisões do Tribunal Provincial de Luanda, utilizando em proveito próprio equipamentos que até decisão final da Justiça angolana pertencem a uma empresa privada.
Juristas contactados referem que esta é mais uma situação em que se demonstra não existir uma evidente separação de poderes em Angola, designadamente entre o Poder Executivo e o Poder Judicial, estando este último aparentemente refém das decisões e interesses políticos do poder vigente. Não existindo na prática autonomia e independência para investigar e decidir apenas com base na lei.
Segundo os juristas, esta situação não transmite para o exterior uma imagem de imparcialidade, credibilidade e confiança na Justiça angolana (tribunais e procuradoria), no cumprimento da Lei, dos tratados, acordos e convenções internacionais subscritos por Angola e no respeito pela propriedade privada, condicionando a existência de mais investimentos e a criação de emprego.
A nossa investigação procurou obter mais esclarecimentos e informações sobre o “desaparecimento” dos equipamentos arrestados à Aenergy, tendo esta transmitido que, de momento, não irá tecer quaisquer considerações sobre este assunto, remetendo para o processo do Tribunal Federal de Nova Iorque, que afirma ser público e para a decisão imparcial da justiça norte americana.
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