Luanda - António Costa Silva defendeu que Angola deve ter uma Comissão Verdade e Reconciliação para as vítimas de maio de 1977. "Angola é um país que precisa de atos regeneradores", diz o gestor.
Fonte: Lusa
O gestor António Costa Silva defendeu esta segunda-feira que Angola deve criar uma Comissão Verdade e Reconciliação para as vítimas do maio de 1977, que causou milhares de mortes no país.
Em entrevista à Lusa, o gestor que desenhou o documento estratégico para o Plano de Recuperação Económica de Portugal referia-se à Comissão Verdade e Reconciliação, criada em 1996, pelo governo sul-africano, quando Nelson Mandela era Presidente do país, e chefiada pelo arcebispo anglicano Desmond Tutu, um dos mais conhecidos ativistas dos direitos humanos daquele país, Nobel da Paz, em 1984, tinha por objetivo investigar violações de direitos humanos durante o regime do apartheid.
“Angola deveria ter tido um processo, há muitos anos, semelhante ao que o Presidente Nelson Mandela desenvolveu na África do Sul, com a comissão de reconciliação nacional, para a qual nomeou Desmond Tutu, para presidir. É fundamental Angola fazer isso”, afirmou Costa Silva, que nasceu no planalto central angolano e foi uma das vítimas do período a seguir à alegada tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio de 1977 liderada por Nito Alves, reprimida pelo regime do então Presidente angolano, Agostinho Neto.
O gestor referiu que o atual ministro da Justiça de Angola, Francisco Queirós, “tem em mente, ou está a desenvolver, algumas ações nesse sentido”, mas sublinhou que as medidas “têm que, na prática, significar um ato regenerador para o país”.
“Angola é um país que precisa de atos regeneradores”, acrescentou o gestor, que é também presidente da petrolífera Partex, empresa que pertenceu à Fundação Calouste Gulbenkian até ser vendida, em junho de 2019, à tailandesa PTTEP.
No ano passado, foi criada a Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 4 de abril de 2002, mas a questão do 27 de Maio constitui o principal “desafio”, admitiu, em fevereiro passado, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano.
Costa Silva foi preso pela polícia política de Angola em 1977, esteve na prisão de São Paulo, em Luanda, de onde só saiu em 1980. Foi torturado e colocado perante um pelotão de fuzilamento.
“Eu era dos comités Amílcar Cabral, apoiantes do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Só que, quando o MPLA entrou em Luanda, começou a haver alguma hostilidade em relação a nós e outros comités”, contou.
“Eu os meus companheiros fomos submetidos a um processo difícil (…), com torturas quase contínuas. Estive quase oito meses a ser submetido, dia sim, dia não, a esses processos de tortura altamente violentos. E isso foi marcante”, contou o gestor, que este ano, depois de ter começado a pandemia de Covid-19 em Portugal, foi escolhido por António Costa para elaborar o documento Visão estratégica, apresentado em julho.
Para Costa Silva, o que aconteceu na altura em Angola foi que, “na sequência da tentativa de golpe de Estado, a que ficou associado Nito Alves, o regime aproveitou para exterminar ou liquidar todos os outros centros de pensamento que existiam e que não estavam alinhados com o MPLA nessa altura”.
Apesar de ter passado aqueles momentos, o gestor preferiu não estar “diretamente ligado” a movimentos que esta segunda-feira exigem do Governo angolano reparos para as vítimas, e suas famílias, do 27 de Maio de 1977, embora compreenda “perfeitamente as suas reivindicações”.
“No cômputo geral, a estimativa é que desapareceram mais de 30 mil pessoas, a maior parte delas fuzilada e executada sumariamente, portanto sem nenhum julgamento. Desapareceram pura e simplesmente”, realçou.
E isso quer dizer que, esta segunda-feira, em Luanda, “não há praticamente família daquela altura que não tenha um membro que tenha sido levado nessa voracidade sanguinária que atingiu o país”, afirmou.
“As pessoas que não tiveram a oportunidade de fazer o luto, fazem-no durante muitos anos. Portanto, o sofrimento de todas essas famílias é invisível”, lembrou.
No seu entender, “as famílias mereciam, pelo menos, um reparo da parte do regime”, “tudo isso é extremamente importante para deixar que façam as pazes consigo próprias e com o país”.
O parlamento angolano aprovou, na generalidade, em abril deste ano, a proposta de Lei do Regime Especial de Justificação de Óbitos Ocorridos em Consequência dos Conflitos Políticos, com 188 votos a favor, sete abstenções da CASA-CE e nenhum voto contra.
Uma proposta que visa acelerar e simplificar o registo de óbito e emissão de certidões de óbito respeitante às vítimas dos conflitos políticos ocorridos em Angola, dispensando o recurso à via judicial.
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