Luanda - Entre dias sem pão (e foram muitos) e pão sem dias (foram mais ainda) e acreditando no impossível, porque o possível faz-se todos os dias, eis que, hoje, completo mais um ano de vida.
Fonte: Club-k.net
Pois foi na manhã de uma quarta-feira, um ano após a «Revolução dos Cravos», que, numa das maternidades da antiga Nova Lisboa, a Drª. Filomena Leonardo, a tia Mena (tive o grato prazer de a conhecer aqui há uns anos, pois apresentou-ma a minha mãe) estendeu-me a mão para que, finalmente, eu viesse ao mundo.
Conta a minha mãe que fui registado e baptizado na Conservatória e na Sé Catedral local quinze dias depois de ter nascido. Foi assim que ganhei personalidade jurídica enquanto cidadão nesta antiga "Jóia da Coroa do Império Lusitano".
Foi assim que ainda "bambino" e em posse da Cédula e da Certidão de Nascimento apanhei, de forma natural, o comboio da Angola, que meses depois deixaria de estar sob a bota de António de Oliveira Salazar.
Portanto, isto para dizer que a diferença entre mim e o País é de meses apenas. Sou mais velho do que ele. E há muitas diferenças entre nós.
A dissemelhança entre mim e a República de Angola consiste no facto de me preocupar com ela e ela estar-se nas tintas em relação a mim.
A desigualdade entre mim e o Governo angolano consiste no facto de haver um acentuado grau de desamor por parte do Executivo em relação ao cidadão.
A desconformidade entre mim e o Governo do meu País consiste no facto de se mostrar despreocupado e nem perguntar o que é que a pátria pode fazer por mim e por todos os descamisados, meus companheiros inseparáveis do infortúnio e de desventuras várias, com os quais cruzo diariamente na estrada escabrosa da vida que (não) temos.
Perguntar-me-ão porque razão falo (escrevo) assim. Interrogar-me-ão de certeza, certezinha, se não conheço o preço da paz (não social) para Angola. Insinuarão que estou revoltado.
As bocas foleiras não hesitarão em atribuir-me um partido político. E normalmente tendem a atribuir-me uma filiação partidária com o respectivo cartão.
Normalmente "inscrevem" o meu nome apenas em dois partidos políticos: o MPLA ou a UNITA como se os outros não existissem mesmo em face do discurso já em desuso dos dois primeiros!
Ora bem, quando isso acontecer podem crer que não me hei-de calar! E quem me difamar pode acreditar que me terá à perna. Porque admito que vamos tendo, aos poucos, um País onde a Liberdade de Expressão vai sendo consolidada.
Por isso é que tenho esta coluna para dizer o que penso e porque penso que a verdade é o melhor predicado que devemos seguir. Porque penso que aqui a minha liberdade é (quase) total. E só é quase total porque melhor do que pensar (e escrever) livremente é pensar e escrever com rectidão, é ter a noção de que a minha liberdade começa onde (não) termina a dos outros.
Por ser mais velho (de meses) que o País levo uma vantagem sobre ele. Angola perde para mim pelo facto de ter aprendido que - e contrariamente ao tempo em que era bambino - há amigos e amigos. E apesar de ser amigo dele, me parece que o País não o é para comigo nem para com o povo, o principal elemento de um Estado. Isto vê-se claramente na relação de ódio e desamor existente entre o povo e o Governo de Angola.
Ao longo destes anos descobri, por exemplo, que amigos são todos aqueles que me estenderam a mão e me ajudaram a tirar inúmeras pedras do caminho.
Aprendi ao longo destas três décadas e meia que amigos são, afinal, todos aqueles que nos ajudam remover obstáculos e a contornar montanhas. Porque inimigos temo-los em casa, no serviço ou ainda na universidade sempre prontos e atentos para nos rasteirarem, de sorte que, ao cairmos na primeira valeta, não consigamos entregar a Carta a Garcia.
Enfim, são cenas e retalhos de uma vida que já lá vai!
Nota: Alterei a minha idade. De resto tudo na mesma, tal como há um ano.
Jorge Eurico (Jo)
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